Deficiência = superação + capacidade

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No último dia 24/7, a Lei de Cotas para Pessoas com Deficiência chegou à maioridade. Infelizmente, a lei não é suficientemente conhecida nem respeitada. Com isso, perdem as pessoas com deficiência e perdem as pessoas ditas “normais”, que acabam por não ter a oportunidade de conviver com a diferença. Em comemoração à passagem deste aniversário de 18 anos e com a intenção de refletir sobre a situação das pessoas com deficiência, a Tribuna Bancária traz uma reportagem sobre a história de vida de bancários que ousaram enfrentar as condições adversas e fazer “da queda um passo de dança, do medo uma escada, do sonho uma ponte, da procura um encontro”.


Banco do Nordeste/Passaré, célula de atendimento e relacionamento funcional. Roberto Ponte Moreira, cadeirante, nos recebe com muita disposição e bom humor. Na sala repleta de bancários, são visíveis o respeito e a admiração pelo colega de trabalho, uma das dezoito pessoas com deficiência que trabalham no banco. “Nesta sala temos sempre de pensar a acessibilidade de todas as pessoas e temos de levar em conta o Beto. Isso é um direito dele, o banco não faz mais do que sua obrigação”, declara a gerente de ambiente, Célia Matos. O bancário trabalha com recursos humanos e já atuou no planejamento e na área de avaliação. Segundo o próprio Roberto, o seu negócio é solução de problemas.


Beto ingressou no banco em 1982, quando ainda não havia a Lei de Cotas. Seis anos mais tarde, sofreu um acidente que agravou a situação dele, o que o levou a um afastamento de 14 anos. Até que em 2004 veio a proposta para voltar a trabalhar no Banco do Nordeste, que ofereceu uma cadeira de rodas adequada, de fibra, e todo suporte relativo à questão da acessibilidade. “Ainda falta banheiro e estamos esperando por um elevador”, conta Roberto, que ainda assim sente-se bastante contente com o local de trabalho e recorda emocionado o convite para voltar a trabalhar na empresa. Para o bancário, ainda existe muito preconceito com as pessoas com deficiência, mas isso faz parte de uma questão cultural e também do nível de maturidade das pessoas. Enquanto alguns ainda não abriram a mente, Roberto, pai de 3 filhos, aos 47 anos, vai tocando sua vida. Ele cursa Gestão de RH, sua segunda graduação, à noite.


Ainda no BNB, conversamos com Nádia Líbia, deficiente auditiva, 24 anos. Ela ingressou no banco através das cotas, em maio de 2005, seu primeiro emprego. Nádia usa aparelho auditivo em um dos ouvidos desde os cinco anos de idade e aprendeu a falar com a mãe – ela é, portanto, uma surda oralizada. Após a entrada no banco, teve o segundo aparelho custeado pelo BNB, em parceria com a Camed. “Não sinto preconceito. Desde que entrei aqui, recebi muita atenção e nunca senti nenhuma diferença em relação aos outros funcionários”, afirma a bancária. Ela trabalha na área de recuperação de crédito e sua maior aliada é justamente a voz, pois orienta agências por telefone. Nádia cursa Direito e faz planos para o futuro: “quem sabe trabalhar no setor jurídico aqui do banco?”.

Saindo do BNB, chegamos à agência do Banco do Brasil da Praça do Carmo, no Centro de Fortaleza. Celso Farias, também deficiente auditivo, 47 anos, nos espera para a entrevista. Com ele está a esposa, Cristiane Farias, intérprete de Libras (Língua Brasileira de Sinais), língua que Celso aprendeu aos seis anos, quando ainda morava em Corumbá (MT). Ele conta que, alguns anos depois, sua família se mudou para o Rio de Janeiro para que ele pudesse estudar no Instituto Nacional de Educação de Surdos, única escola do País, na época, com ensino dirigido para pessoas com deficiência auditiva.


A inserção no mundo bancário aconteceu na adolescência, aos 17 anos, ao trabalhar durante 12 anos no extinto Banerj. Posteriormente, Celso foi ainda empregado durante sete meses do Banco Real já em Fortaleza, mas a aprovação num concurso, em que tirou 2º lugar na disputa com pessoas com deficiência em todo o Nordeste, levou-o ao Banco do Brasil, onde está há um ano e quatro meses. No banco, ele é responsável pela verificação de cheques e liberação de cartões novos no setor de Suporte.


A gerente de administração, Evalda Coutinho, afirma que, no início, a comunicação foi um empecilho ao trabalho com Celso. “No começo, a gente tinha muita dificuldade de entendê-lo. A comunicação acontecia através de papel e caneta”. Entretanto, depois de um curso de Libras de três semanas a situação melhorou consideravelmente. “Hoje, muitos colegas já conseguem se comunicar com ele”, diz ela, que faz questão de informar que Celso é um dos mais animados bancários da agência, além de inteligente e bastante produtivo. A companheira de trabalho avalia a experiência como um aprendizado muito rico: “Quem dera em toda empresa as pessoas pudessem conviver com uma pessoa com deficiência. Foi muito gratificante entrar no mundo do Celso”, finaliza ela, enquanto Celso sorri de gratidão.


Depois de posar para fotos, Celso Farias, que é membro do Conselho Deliberativo da Associação dos Amigos do Instituto Cearense de Educação de Surdos, lembrou-nos de deixar bastante explícito, no texto, um apelo: que as pessoas surdas tenham espaço como bancárias. Satisfeito com o atual trabalho no Banco do Brasil, ele lembra que no universo das empresas particulares a situação é bem desfavorável para os surdos. “Meu sonho é que os bancos privados aceitem os surdos, que são capazes de fazer qualquer coisa. No Sudeste e no Sul a situação é diferente, mas aqui no Nordeste ainda há muito preconceito”.

LEI DE COTAS

De acordo com a Lei de Cotas, as empresas que têm a partir de 100 funcionários devem cumprir uma cota, proporcional ao seu tamanho, com cargos para trabalhadores reabilitados ou pessoas com deficiência.


Assim, empresas com até 200 empregados deverão reservar 2% das vagas. De 201 a 500 trabalhadores, a cota é de 3%, de 501 a mil funcionários, 4% das vagas para pessoas com deficiência e de 1.001 empregados em diante, 5%.


Hoje, há 7 mil bancários com deficiência (64% da cota mínima), ou seja, há mais de 2,5 mil vagas ociosas no sistema financeiro. Segundo o IBGE, o Brasil tem 25 milhões de pessoas com deficiência.


Apesar da importância da Lei das Cotas, o Senado analisa um projeto de lei que, se aprovado, pode eliminar cerca de 200 mil vagas no mercado de trabalho destinadas a pessoas com deficiência. De autoria do presidente da Casa, José Sarney (PMDB-AP), o projeto 112/06 propõe mudanças e pode dificultar a possibilidade de acesso ao emprego formal e digno das pessoas com deficiência.