Dieese quer política econômica de desenvolvimento e distribuição de renda

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O artigo Desafios da Atual Política Econômica para uma Agenda de Desenvolvimento e Distribuição de Renda, escrito pelo diretor técnico do DIEESE, Clemente Ganz Lúcio, e pelo técnico Sérgio Mendonça, analisa os problemas que o País tem que enfrentar para garantir que o Brasil continue a crescer de forma a garantir uma sociedade mais justa. O texto foi publicado na edição brasileira do jornal Le Monde Diplomatique de maio deste ano.


Desafios da atual Política Econômica para uma Agenda de Desenvolvimento e Distribuição de Renda

O Brasil vem crescendo a uma taxa de 4,5% em média nos últimos sete anos (2004-2010). Esse novo patamar, após um longo período de baixo crescimento, tem renovado as expectativas otimistas da sociedade brasileira. As taxas de desemprego voltaram aos níveis de 20 anos atrás e a criação de novos empregos – a grande maioria com carteira de trabalho assinada no setor privado e no setor público – tem superado a entrada de novos ingressantes no mercado de trabalho.


Essa dinâmica, em que a demanda de trabalho tem superado a oferta, contribui para a redução do desemprego. Um conjunto de outras políticas públicas – como a política de valorização do salário mínimo, o Bolsa Família e a política de crédito – impulsiona o crescimento da economia, criando um círculo virtuoso de expansão da renda e do emprego.


Essa sensação de bem estar e otimismo não deve encobrir, contudo, os desafios e os obstáculos à frente para que o país trilhe uma rota de desenvolvimento com inclusão e melhoria do padrão de vida de toda a população, capaz de reduzir a enorme desigualdade de renda e riqueza que ainda é vigente no Brasil. E o enfrentamento desses desafios exige a implantação de políticas que vão além da política econômica ou macroeconômica, embora essa seja peça estratégica para o país atingir um patamar superior de desenvolvimento.


O que caracteriza o atual estágio de desenvolvimento e qual o papel da política econômica? Em 2011, o Produto Interno Bruto por habitante (PIB per capita) no Brasil, importante indicador para avaliarmos o estágio de desenvolvimento dos países, deve atingir cerca de 20 mil reais ou 12 mil dólares correntes. Para efeito de comparação, os EUA atingiram um PIB per capita de 47 mil dólares em 2010, cerca de quatro vezes o PIB per capita do Brasil. Ainda que se considere que atingir esse nível de renda dos EUA e dos países desenvolvidos pode demorar um longo período de tempo, não há como ignorá-lo como uma meta importante de bem estar da população mundial.


Para “realizar” esse potencial é necessário crescer e incluir a população que chega todo ano ao mercado de trabalho, gerando empregos e ocupações decentes e produtivas e pagando salários mais altos. A pergunta é mais que oportuna: Com a atual política econômica nós vamos chegar lá? A atual política econômica está apoiada num tripé: o superávit primário das contas públicas, a taxa de câmbio flexível e o sistema de metas de inflação sob comando do Banco Central.


Atualmente, quais são seus principais resultados? Convivemos com as mais altas taxas de juros reais (descontada a inflação) do mundo. Temos a mais alta carga tributária (a relação entre os impostos arrecadados e o tamanho da economia) entre os países com o mesmo nível de renda per capita. E, nos últimos anos, há uma forte tendência à apreciação da moeda brasileira, dificultando a competitividade dos produtos exportados pelo Brasil e aumentando a facilidade de importar produtos de outros países.


Antes de enfrentarmos o debate sobre a política econômica, cabe registrar que existem diversos obstáculos estruturais ao desenvolvimento. A qualidade da educação, especialmente a educação pública e universal; a carência de infraestrutura econômica; a saúde e o déficit habitacional talvez estejam entre os principais. Atingir outro patamar de desenvolvimento implica enfrentar esses desafios sem o que apenas crescer em termos econômicos não significará bem estar a todos os brasileiros.


Voltando ao tema central de nosso artigo: é necessário mudar a atual política econômica que é a mesma adotada na maioria dos países, sobretudo os emergentes? Ou, dito de outra forma, o atual tripé da política econômica dará sustentação ao crescimento e conduzirá o País a um novo patamar de desenvolvimento, alterando a distribuição de renda e riqueza em direção a mais igualdade?


Na prática, significa dizer que as taxas reais de juros têm de cair para níveis internacionais (muito baixos), a moeda brasileira não pode continuar se apreciando e colocando em risco diversos setores, em particular o industrial. Levando em conta a dimensão do gasto público, deve considerar a superação dos principais problemas como a erradicação da pobreza, a qualidade da educação e da saúde, a eliminação do déficit habitacional e a construção da infraestrutura econômica.


Iniciemos pelos vergonhosos juros praticados no Brasil. Por que são tão altos? A que interesses respondem? Certamente aos interesses do rentismo arraigado da parcela endinheirada da sociedade brasileira que deles se beneficia. É uma enorme simplificação no debate econômico e político “culpar” o Banco Central e seus diretores, que compõem o Copom, pelas decisões que tomam sobre o nível dos juros no Brasil. Ou “culpar” a ganância dos bancos que a cada ano apresentam lucros recordes nos seus balanços, influenciados por essas taxas exorbitantes. Sem dúvida, essas instituições contribuem para esse estado de coisas.


E quem são os prejudicados por essa política de juros altos? Os trabalhadores que dependem do crescimento, dos investimentos e da geração de empregos; os micro e pequenos empresários que dependem de crédito barato para expandir seus negócios; a população mais carente que depende das políticas públicas de educação, saúde, seguridade social, habitação, transferência de renda e do investimento público em infraestrutura.


Os impostos indiretos que incidem na circulação e no faturamento de bens e serviços são integralmente repassados para os preços e são pagos por toda a população. Nesse modelo, aqueles que ganham menos pagam mais impostos, já que o valor do imposto cobrado do consumidor, de alta ou de baixa renda, é o mesmo. É o Robin Hood às avessas: quem pode mais paga menos!


Não há como negar que avançamos muito nos últimos anos no Brasil. O novo patamar de crescimento e de geração de empregos, as políticas de valorização do salário mínimo, de transferência de renda, de expansão do crédito, entre outras, foram escolhas importantes da sociedade e do governo federal para atingirmos esse novo estágio de desenvolvimento.


Caminhando para se transformar na quinta economia do mundo, o Brasil tem atraído para si as atenções. Os grandes eventos esportivos (Copa, Olimpíadas), a necessária e urgente recuperação da infraestrutura econômica, a descoberta do pré-sal têm criado condições para que sonhemos com um futuro promissor para o País.


Esse talvez seja o principal desafio do país nos próximos anos. Como subir os salários e manter a competitividade da economia brasileira? Reduzir a carga de juros, transformar a estrutura tributária e manter o câmbio em patamar competitivo são caminhos para que o País cresça, os salários subam e a distribuição de renda se modifique sem que as tensões dessa legítima disputa impeçam o desenvolvimento.


Clemente Ganz Lúcio – Sociólogo, Diretor Técnico do DIEESE e membro do CDES – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social


Sérgio Eduardo Arbulu Mendonça – economista e técnico do DIEESE