É PRECISO FALAR SOBRE RACISMO

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Após a morte do norte-americano George Floyd, numa abordagem policial desastrosa e cruel, o mundo, e o Brasil, voltaram a discutir o racismo, com uma série de protestos abordando o racismo cultural, a violência policial e a própria conduta da nossa sociedade em pleno ano de 2020. No Brasil, os movimentos sociais lembram mortes recentes como do adolescente João Pedro, morto pela polícia do Rio, e do menino Miguel, que caiu do 9º andar de um prédio em Recife (PE), ao ser deixado sozinho no elevador pela patroa da mãe, que havia saído para passear com o cachorro da patroa, em plena pandemia. Tudo isso é fruto de um racismo institucionalizado que ainda hoje existe em nossa sociedade.


“É importantíssimo a gente refletir, parar de naturalizar aqui no Brasil esses assassinatos de jovens negros no Brasil — a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. E o quanto a gente precisa pensar esses desafios aqui dentro do nosso país, sobretudo num momento de muita repressão aos movimentos sociais, num momento de corte de políticas públicas para populações negras”, afirmou a filósofa e escritora Djamila Ribeiro, em entrevista à BBC News Brasil.


MITO DA DEMOCRACIA RACIAL – A teoria da democracia racial foi apresentada formalmente ao Brasil pelo sociólogo Gilberto Freyre, em seu livro Casa-Grande & Senzala. A obra busca compreender o surgimento da formação familiar, bem como as características que definem o povo brasileiro. Assim, com a teoria sistematizada pelo autor, o mito acaba por ser reforçado. A ideia de que negros, brancos, indígenas e tantas outras raças e etnias vivem em paz e possuem direitos iguais no Brasil começou com a obra, porém, com o passar dos anos, ela acabou sendo negada. Um marco para a desmistificação da teoria da democracia racial foi a própria Constituição de 1988, que tipifica racismo como crime, isto é, confirma a existência do racismo e a realidade desigual entre pessoas brancas e negras. Caso não existisse racismo, como a legislação brasileira iria criar medidas para combatê-lo?


“Essas construções todas — e não foram à toa, são deliberadas —, essa ideia de que no Brasil somos todos mestiços, de que não tem como saber quem é negro, mas na hora de discriminar todo mundo sabe quem é, dificultou uma construção de identidade negra e os movimentos negros vêm denunciando isso, e isso também é forma de resistência”, avalia Djamila Ribeiro.


Os atos nos EUA fizeram com que o mundo inteiro falasse sobre o assunto e, também, saísse às ruas. Isso é extremamente válido, mas o que entristece é o fato de que esse é um tema vivenciado diariamente no Brasil e que só agora somos capazes de reconhecer quando se sentiu a dor do outro. Temos que discutir o racismo, mas mais do que isso, temos que enfrentá-lo de uma vez por todas. Para convencer toda a sociedade, definitivamente, de que vidas negras realmente importam.


TIPOS DE RACISMO


Racismo cultural: O racismo cultural defende que uma cultura seja superior à outra. Pode ser exposto por meio de crenças, músicas, religiões, idiomas e afins, tudo que englobe cultura;


Racismo individual: parte de atitudes, interesses e pensamentos pessoais, inclusive de estereótipos;


Racismo institucional: praticado por instituições e comprovado por números, dados e estatísticas.


O QUE DIZ A LEI BRASILEIRA


Na lei brasileira existem punições diferentes para os crimes de racismo e injúria racial. O crime de racismo se configura quando alguém se recusa ou impede o acesso de uma pessoa a estabelecimentos comerciais, bem como entradas sociais, ambientes públicos, e também quando nega um emprego. O crime de racismo é inafiançável e imprescritível, ou seja, quem praticou pode ser punido independente de quando cometeu o crime.


Já a injúria racial acontece quando a honra de alguém é ofendida usando de elementos como raça, cor, etnia, religião ou origem. Está associada ao uso de palavras com teor depreciativo e/ou ofensivo referentes à raça ou cor. O crime de injúria está previsto no Código Penal. O condenado deve cumprir pena de detenção de um a seis meses ou multa. Contudo, se a injúria conter elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou deficiente, a pena aumenta para reclusão de um a três anos.