Especialista em Direito Constitucional afirma que greve é um direito legítimo e eficaz

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O professor e advogado, Marthius Sávio Lobato, esteve em Fortaleza, na última semana, para participar de um evento no Sindicato dos Bancários do Ceará. Com formação na área de Direito Constitucional e a partir de experiência na Confederação Nacional dos Metalúrgicos – CNM, ele discorreu sobre a jurisdição constitucional trabalhista e o devido processo legal. Nossa equipe conversou com ele sobre dois pontos fundamentais da luta dos trabalhadores na atualidade: a redução da jornada de trabalho e a garantia do direito de greve.

Tribuna Bancária – Na sua avaliação, a redução da jornada de trabalho vai realmente aumentar os postos de trabalho?

Marthius – A experiência que nós temos tido no âmbito internacional, onde países que fizeram essa transição de uma jornada maior para a redução de jornada , tem demonstrado uma melhora na empregabilidade. A redução traz uma inclusão maior, mas não só uma inclusão por empregabilidade, porque a redução da jornada tem uma outra perspectiva, que é o aumento do emprego, a melhoria na saúde do trabalhador e a possibilidade que o trabalhador tem de diminuir os danos decorrentes do excesso de jornada. Então, são dois fatores extremamente importantes, que a nossa constituição protege: o ambiente de trabalho digno e uma relação de inclusão social. Com a redução da jornada, você tem essa possibilidade de aumentar os postos de trabalho.

TB – Mas a gente vê que os grandes empresários têm relutado bastante, dizendo que a redução da jornada não vai gerar mais postos e que eles vão mecanizar os processos de produção. Como o senhor analisa essa posição?

Marthius – Esse é um fundamento que a gente vê principalmente numa classe empresarial mais conservadora e mais retrógrada. Eles têm uma concepção mais neoliberal, contrária à questão social que o mundo contemporâneo tem desenvolvido. Isso é uma espécie de chantagem econômica, chantagem social para colocar o governo, o Congresso que vai votar agora, numa dúvida política. É claro que, não necessariamente, a redução da jornada vai gerar imediatamente novos postos de trabalho. Mas é claro que você amplia o leque para a participação da sociedade. Vai criar exatamente essa possibilidade de ter que aumentar o seu quadro. É muito mais cômodo para o empresariado que não tem compromisso com o social não pensar no ambiente de trabalho. Ele prefere pagar hora extra a ter que aumentar o número de postos de trabalho. E, na verdade, na hora de um acidente de trabalho, quem assume o ônus não é a empresa, é o Estado. Portanto, a empresa utiliza uma mão-de-obra, utiliza uma mais-valia em cima do trabalhador, obtém resultado e lucro e, quando o trabalhador necessita de um auxílio, quem dá é o estado. Consequentemente, somos nós que estamos dando, porque nós pagamos os nossos impostos justamente para garantir isso. Esse é um debate extremamente do âmbito político, da concepção neoliberal versus a concepção social. Essa tensão vai existir sempre. O importante é que a gente tenha consciência que isso é um fator social e que as relações precisam dessa análise. Temos que entender que o social é uma forma de proteger a própria economia. Essa crise internacional demonstrou isso: o Brasil saiu da crise facilmente porque tem uma relação muito forte, muito próxima na preservação do Estado e da relação social com os trabalhadores. Os EUA ainda não saíram da crise exatamente por serem um ambiente de desregulação, onde o Estado não tinha qualquer intervenção.

TB – Como o fato de termos um presidente vindo do movimento sindical influencia na votação do projeto de redução da jornada? Há condições reais de esse projeto ser votado ainda este ano? E o que pode acontecer se essa discussão ficar para um momento de mudança de administração?

Marthius – O que temos que pensar é o seguinte: não é o fato de termos um presidente sindicalista, um trabalhador que está na Presidência, que ele vai sozinho alterar e solucionar todos os conflitos do mundo. Muitas vezes, um governo de coalizão, plural, necessita que a sociedade o mantenha, da mesma forma que o elevou à Presidência, para garantir que as suas políticas públicas sejam executadas. Não é fácil votar quando não se tem uma composição de maioria de representação dos trabalhadores, mas, quanto mais formos para rua, quanto mais tivermos essa concepção de que a participação da sociedade é que faz e estabelece o próprio direito, mais conquistas teremos. Dentro da teoria do Direito, nós podemos colocar isso como o Direito achado na rua. A sociedade nas ruas, e a rua não é a rua da esquina, a rua como esfera pública. Ir à esfera pública reivindicar seus direitos. Com certeza, com uma mobilização muito grande dos trabalhadores, como a marcha que está sendo feita – que eu acho que é o início desse processo – vai forçar o Congresso, mesmo aqueles que não querem, a num momento ou outro votar a favor. Não podemos esquecer que tem muita gente da direita que hoje fala em concepção social e nem por isso eles fazem o social. Fazem toda uma política que são a favor do social, mas só votam contra o social. Uma coisa é fazer o discurso, outra coisa é realizar. E essa realização só se dá com a participação da sociedade.

TB – O senhor comentou que há um discurso social democrata, mas que isso é diferente da prática. Então, eu não posso afirmar que existe uma social democracia hoje no Brasil?

Marthius – Eu acho que hoje nós estamos saindo de uma concepção de estado social, criada com a Constituição de 1988, e estamos entrando num estado democrático de direito. E eu acho que o estado democrático é isso: não estabelecer antagonismos entre uma política ou outra. É saber que desse antagonismo há uma tensão construtiva para o estabelecimento da própria constituição. O nosso período neoliberal não conseguiu romper com a constituição social. Portanto, nós ainda temos uma constituição social. E, para efetivarmos os nossos direitos, é uma luta constante.

TB – O que falta aos trabalhadores para conseguirem a efetivação desses direitos?

Marthius – Os trabalhadores têm tido uma consciência muito grande. O Brasil passou por períodos muito sazonais. Passamos por ditadura, período em que houve um tensionamento e um rompimento por parte dos trabalhadores, que garantiram a sua liberdade. Ao não ter uma ditadura, ele entra num momento de busca do resultado da sua luta. O neoliberalismo não é uma ditadura de repressão física, ele é uma repressão ideológica e econômica. Isso, às vezes, é muito mais cruel do que a própria ditadura. Eu acho que os trabalhadores estão trabalhando na reconstrução de uma consciência de liberdade dentro do estado democrático de direito.

TB – O senhor pode comentar o uso ilegal por parte das empresas do recurso do interdito proibitório.

Marthius – Esse mecanismo, o interdito proibitório, inicia-se no final da década de 1980 exatamente como uma alternativa de repressão aos trabalhadores. Isso se deu muito fortemente no movimento dos bancários. E, como a Justiça do Trabalho não era competente à época, eles começaram a utilizar a Justiça Comum e deu certo, como se fosse uma relação concessória. Infelizmente, a gente teve um crescimento muito grande sobre isso, o que acaba alegando o próprio direito de greve. E nós temos hoje uma questão que é fundamental: a Constituição de 1988 conseguiu romper com a concepção de criminalização da greve, que antes, com a Constituição de 1967 e emenda de 1969, estabelecia a greve como um mecanismo ilegal, uma declaração de ilegalidade da greve. Então, você estaria cometendo um crime, desrespeitando a lei para o Direito Constitucional. Só que a concepção do passado desse direito constitucional ainda se mantém na relação de repressão. A concepção que se está tendo hoje no judiciário – esse é um debate não só acadêmico – é que, por mais que se entenda que a greve é um conceito social e um direito constitucional, o fundamento de que ela não é um direito absoluto acaba trazendo a própria criminalização da greve. A concepção de que o judiciário atua na proteção de um bem de propriedade que não tem finalidade de posse, pois a greve não tem nenhuma finalidade possessória, é uma pré-concepção, uma pré-compreensão, de que esse direito “absoluto” acaba se transportando para o empregador. Esse é o grande problema que nós temos hoje: nós estamos restabelecendo um debate do passado com relação à criminalização dos movimentos sociais. Então, forçando, através de outras interpretações, o direito de greve seria um direito violento.

TB – A greve ainda é a forma mais eficaz de se garantir conquistas?

Marthius – É um dos mecanismos, eu acredito. Mesmo com o avanço da tecnologia, das reestruturações ocorridas e, apesar dos sistemas hoje serem muito alternativos, ainda é um mecanismo que dá resultado. Pode não dar o mesmo resultado que dava no século passado, no século XIX, no século XX principalmente. Mas ainda dá resultados. Tanto dá resultados, que os empresários atuam firmemente contra a greve. Se ela não desse resultado – e o resultado da greve é o prejuízo ao empregador (e essa é a finalidade da greve: realmente causar prejuízo, pois o direito lhe garante isso), os empregadores não teriam tanta resistência a esse exercício de direito. Então, eu acho que esse mecanismo ainda é eficaz. Ele é um meio utilizado para buscar uma igualdade. Quando uma greve é deflagrada, ela não inicia um conflito entre capital e trabalho. Ela é deflagrada quando o conflito já existe. A greve é um mecanismo de solução de conflito. Então, quando o trabalhador vai para a greve, é porque o processo de negociação se rompeu, se desgastou. Daí, vem o conflito, não há negociação. Portanto, a greve é a solução desse conflito e não o início. É uma forma de superação de um conflito já realizado de uma postura patronal.