Juízes são despreparados para identificar assédio moral no trabalho

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A dificuldade para identificar o assédio moral institucional nos locais de trabalho pode ser consequência também da falta de preparo e do conservadorismo do Judiciário brasileiro, admite o juiz do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), Paulo Eduardo Vieira de Oliveira. Ele participou de um debate sobre o assédio moral no setor bancário, realizado na sede do Ministério Público do Trabalho (MPT), em São Paulo.


Segundo o juiz, mais da metade dos casos de assédio moral é ignorada porque há uma crença geral de que o controle excessivo, a pressão e a cobrança abusivas por desempenho fazem parte da rotina normal do trabalho. “Outro dia ouvi (de um jurista) no Tribunal: ‘mas o empregador não pode regular o tempo do empregado ir ao banheiro?’”, relatou, para ilustrar como a organização de rotinas de trabalho, mesmo as degradantes, estão fortemente calcadas no imaginário de todos, inclusive de integrantes do Judiciário.


Segundo estudo da Contraf-CUT, dois terços da categoria bancária já sofreu com o assédio moral. Pesquisa realizada pela Universidade de Brasília (UnB) revela que o número de tentativas de suicídio entre bancários já chega à média de uma por dia. E, a cada 20 dias, um trabalhador do ramo financeiro acaba por consumar o ato.


Segundo a advogada especialista em direito do trabalho, Adriana Calvo, o assédio moral pode ser definido como violência psicológica e comportamento abusivo praticado de forma repetitiva, com ideia de infringir regras éticas. Mas como definir regras claras que permitam à Justiça do Trabalho aplicar indenizações ao assediado? “Um dos grandes problemas é determinar o que não é assédio moral, há vários critérios para se definir o que é isso”, afirma Adriana.


Organizacional – O assédio moral institucional ou organizacional é a forma que mais atinge os trabalhadores de forma geral. Ele está diretamente relacionado ao método de gestão das empresas e à organização de trabalho. No setor bancário, a pressão pelo cumprimento de metas cada vez maiores, impostas de forma unilateral, em um ritmo que muitas vezes o trabalhador não consegue acompanhar, agravam o quadro, levando os trabalhadores a diversas manifestações de transtorno mental.


Na campanha salarial deste ano, os bancários conseguiram incluir na convenção coletiva duas cláusulas para ajudar a combater o problema. A primeira proíbe o envio de mensagens pelos bancos ao celular particular dos bancários, cobrando por resultados e cumprimentos de metas, e a segunda obriga os bancos a investigarem as causas de adoecimento da categoria.


Direito – Apesar de crescente, o número de ações na Justiça contra gestores acusados de prática de assédio moral contra empregados é baixo, segundo o juiz Paulo Vieira. “O setor bancário assedia ‘naturalmente’, mas nos últimos dois anos não recebi nenhuma ação civil pública. E as ações são poucas porque o advogado não sabe pedir, o juiz não sabe julgar, o empregado não sabe perceber. Assédio moral é confundido com dano moral”.


“A responsabilidade é do empregador, que tem de ser penalizado duramente pelo Estado, com ações civis públicas. Estamos num sistema capitalista de produção, seguindo a busca no maior lucro possível. Então temos que entender que a forma ideal para acabar com isso é coibir. Como? Mexendo no bolso, aplicar indenizações acima de seis zeros, porque é só assim que eles (empresas que permitem os casos de assédio) vão aprender”, endossou o juiz Paulo Vieira.