Livro avalia programa Bolsa Família como real democratização do País

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Dez anos após sua implantação, o Bolsa Família mudou a vida nos rincões mais pobres do País: o tradicional coronelismo perde força e a arraigada cultura da resignação está sendo abalada. A conclusão é da socióloga Walquiria Leão Rego, que escreveu, com o filósofo italiano Alessandro Pinzani, o livro “Vozes do Bolsa Família”.


Durante cinco anos, entre 2006 e 2011, a dupla realizou entrevistas com os beneficiários do Bolsa Família e percorreu lugares como o Vale do Jequitinhonha (MG), o sertão alagoano, o interior do Maranhão, Piauí e Recife. Queriam investigar o “poder liberatório do dinheiro” provocado pelo programa. Aproveitando férias e folgas, eles pagaram do próprio bolso os custos das viagens. Sem se preocupar com estatística, a pesquisa foi qualitativa e baseada em entrevistas abertas.


Professora de teoria da cidadania na Unicamp, Rego defende que o Bolsa Família “é o início de uma democratização real” do País. Ela fala dos boatos que sacudiram o programa recentemente e dos preconceitos que cercam a iniciativa: “foi de uma crueldade desmesurada. Foi espalhado o pânico entre pessoas que não têm defesa”. Segundo ela, há uma crueldade no modo como as pessoas falam dos pobres. “Daí aparecem os adolescentes que esfaqueiam mendigos e queimam índios. Há uma crueldade social, uma sociedade com desigualdades tão profundas e tão antigas. Não se olha o outro como um concidadão, mas como se fosse uma espécie de sub-humanidade. Certamente essa crueldade vem da escravidão. Nenhum País tem mais de três séculos de escravidão impunemente”, analisa.


De acordo com a pesquisadora, além de segurança e respeitabilidade para seus beneficiários, o programa trouxe ainda um impacto econômico e comercial muito grande. “Elas [essas pessoas] são boas pagadoras e aprenderam a gerir o dinheiro após dez anos de experiência. Não acho que resolveu o problema. Mas é o início de uma democratização real, da democratização da democracia brasileira”. Walquiria avalia ainda que a constitucionalização do Bolsa Família deveria ser feita urgentemente.


“Quando vi a alegria que sentiam de poder partilhar uma comida que era deles, que não tinha sido pedida, foram lá e compraram. Crianças que comeram macarrão com salsicha pela primeira vez. É muito preconceituoso dizer que só querem consumir. A distância entre nós é tão grande que a gente não pode imaginar. A carência lá é tão absurda. Aprendi que pode ser uma grande experiência tomar água gelada”, relata.


SERVIÇO:
“VOZES DO BOLSA FAMÍLIA”


Autores: Walquiria Leão Rego e Alessandro Pinzani

Editora: Unesp  –  Quanto: R$ 36,00

(248 páginas)