Lula, por que o ódio da imprensa?

94

No momento em que o Brasil entra pela primeira vez para o grupo de países com alto Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), a imprensa destaca a sabotagem parlamentar da oposição oligárquica como expressão de resistência cívica. Exalta todos os mecanismos de obstrução, após ter enquadrado o PSDB nos marcos do lacerdismo. É o conhecido agendamento que não tem qualquer compromisso com um projeto efetivo de nação. São tempos difíceis. Ativismo judiciário e partidarização da mídia como instrumentos de golpe permanente compuseram a novidade política de 2007. Talvez o que mova a roda do retrocesso seja nostalgia de tempos recentes.


52 milhões de brasileiros vivendo abaixo da linha da pobreza, taxas recordes de desemprego e 30 mil vítimas de assassinato por ano. O número de menores entre 10 e 17 anos que trabalhavam na rua atingia, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), um contingente de 263 mil crianças, em 2002. E dos adultos ainda empregados, apenas 45,2% contribuem para a Previdência. Aumentava a concentração de renda e acentuavam-se as desigualdades regionais. Sobreviver tendo entre 15 e 24 anos tinha virado proeza de quem sabe se esgueirar bem em vielas e condomínios.


Diante desse quadro, presenciamos, como sempre, por parte da grande imprensa, uma demonização sistemática dos movimentos sociais que pretendiam inscrever como sujeitos de direito, categorias até então à margem da história. Apresentados como disfunções, expressões patológicas, sintomas anômicos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), a União dos Movimentos de Moradia (UMM) e a Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura (Contag) produziam, como é normal em uma sociedade fracionada, confrontos ao agenciar demandas legítimas.


Como a cultura política de uma formação social muito depende das representações simbólicas que a mídia fazia (e faz) dos atores e dos grupos políticos, o recorte resultante reproduz o que já sabemos: ao povo, quando pretende ser protagonista da própria história, é pespegado o rótulo de baderneiro. Gente que não tem causa e vive uma insatisfação difusa e inorgância. A célebre plebe rude. Assim, tratados como caso de polícia, são apresentados como pontos de desestabilização, agentes que põem em risco o “ordenamento democrático do Estado de Direito”.


Para as oligarquias demo-tucanas é aí que reside o intolerável. O instinto de sobrevivência política não lhes deixa outra alternativa que não seja o de, mais uma vez, inviabilizar um País que se anuncia menos excludente e mais democrático. São incapazes de, mesmo na oposição, estabelecer um pacto de Estado. Não podem conceber que um governo dialogue com movimentos organizados. Não têm agenda ou projeto de País. Nasceram para a subalternidade e é nela que se reconhecem como personagens relevantes. A chantagem fiscal é apenas uma das estratégias do eterno retorno do atraso. As máquinas não devem parar. O IDH veio em má hora.

Gilson Caroni Filho, Sociólogo, colaborador do Jornal do Brasil e Observatório da Imprensa e escreveu este artigo para Carta Maior