Movimento sindical deve preservar autonomia

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Encerrando as atividades do ano de 2006, o Sindicato dos Bancários do Ceará recebeu no dia 19/12, em sua sede, o jornalista Altamiro Borges, editor da Revista Debate Sindical e autor de vários livros, entre eles “Era FHC: A Regressão do Trabalho” e “Encruzilhadas do Sindicalismo”, para falar sobre “O movimento sindical diante do Governo Lula: balanço e perspectivas”. O jornalista destacou que o movimento sindical tem que preservar sua autonomia e tem que aumentar a carga de pressão junto ao governo e cobrar, cobrar mesmo. “O movimento sindical não pode ficar só de espectador, pois Sindicato não é Estado”, disse. Em entrevista ao jornal Tribuna Bancária, Altamiro Borges dá sua visão sobre sindicalismo e o governo Lula. Veja a seguir:

Tribuna Bancária – Como será o segundo governo do Lula?
Altamiro Borges – É cedo pra falar, mas acho que a tendência é de um segundo governo mais ousado, que acelere as mudanças no País. O primeiro governo teve muitas dificuldades, era minoritário na câmara federal, tinha pouco apoio de governadores, além disso o País estava quebrado, pois o FHC deixou este país pendurado da brocha, destruído. O primeiro governo foi muito tímido. Acho que o segundo será melhor.

TB – Em que o segundo governo pode melhorar?
Altamiro Borges – Por várias razões pode ser melhor. Hoje o País está mais ajustado, não está tão quebrado como estava em 2003, embora com a economia com crescimento ainda medíocre, mas com sinalizações positivas de melhorar. Só temos emprego e melhoria da renda, se temos crescimento da economia. O Segundo dado favorável para o governo é que a própria campanha eleitoral exigiu do presidente Lula um posicionamento mais firme. A campanha foi muito polarizada entre esquerda e direita e exigiu posicionamentos mais firmes como a defesa do Estado, defesa das políticas sociais, ser contra essas medidas de enxugamento do Estado, que só penaliza o povo. Então a campanha fez com que ele fizesse um discurso mais à esquerda.

TB – Lula anuncia que fará alianças, elas são necessárias?
Altamiro Borges – O governo não governa sozinho. Tudo que é projeto do governo tem que passar pelo Legislativo. Concretamente, as forças que elegeram Lula são minoritárias no Congresso Nacional. Se somarmos os partidos de esquerda PT, PCdoB e PSB dá 120 deputados, num Congresso de 530. É preciso fazer alianças, pode não gostar, mas é preciso. Acho que o Governo está tentando construir, o que está se chamando de governo de coalizão com base em programa. Acho que é necessário para o Governo. Isso gera alguns problemas, gera, mas se não fizer isso, não consegue governar. Mesmo nesse sentido, a perspectiva do governo Lula é melhor, porque como conseguiu atrair o PMDB para essa coalizaão programática, isso dá uma maior segurança de votação no Congresso Nacional para os projetos do Governo. Acho que, com todos os problemas vai ser melhor assim, do que não ter isso. Se não tivesse isso o governo ficaria paralisado.

TB – Nesse cenário, como se insere o movimento sindical?
Altamiro Borges – A historia do movimento sindical é muito bonita, desde a época dos anarquistas nas décadas de 10 e 20, com a presença depois dos comunistas na década de 20 até 60. O Sindicalismo sempre foi muito atuante, em defesa da democracia, da liberdade, que lutou muito pela soberania nacional, pois entendeu que era preciso construir uma nação, num país colônia não tem como o povo viver bem. Então todas as lutas, como em defesa da soberania, a luta pelo petróleo é nosso, a luta pela siderurgia, o movimento sindical sempre lutou pela melhoria social, pela justiça social, pela valorização do trabalho. O que nós temos hoje de legislação trabalhista no Brasil não caiu do céu. As pessoas têm pouca memória, mas tudo que temos hoje é fruto de muita luta dos trabalhadores, das décadas passadas como 10, 20, 30, 40, 50.

O movimento sindical sempre teve papel ativo na defesa da democracia, em defesa da soberania, na construção da Nação Brasileira; em defesa da distribuição de renda e do trabalho, da valorização do trabalho. Agora, nesse momento, vejo que o movimento sindical tem vivido período de muitas dificuldades, por causa da crise do desemprego, que foi muito grande na década de 90. A taxa de desemprego no Brasil na época bateu os 12%, segundo IBGE. Antes disso chegava-se a 3% ou 4%. Na década de 90, segundo cálculo do Dieese que analisa o desemprego aberto, o desemprego oculto e desemprego por desistência, chegou-se a 22%. É muita coisa… além disso tivemos uma explosão do que chamamos de informalidade. Gente trabalhando sem registro em carteira. Só de informais no Brasil são mais de 53% da população economicamente ativa. Além disso tivemos processo de precarização do trabalho, de quem já estava trabalhando, com a terceirização, as cooperativas falsas – tudo isso dificultou muito a ação dos Sindicatos.

Na década de 80, os sindicatos lotavam as assembléias. Na década de 90 passou a ter dificuldade. O movimento sindical acabou ficando numa situação de crise.

Eu acho que agora ele é chamado a um novo papel. Se ele ficar só voltado pra demandas imediatas, pra dentro da categoria, ele não vai ter força na sociedade. Ele está sendo chamado a um papel mais protagonista, papel mais político na sociedade.

Nesse segundo governo Lula, o movimento sindical tem que aumentar muito a sua pressão. Essa marcha que teve recentemente pela valorização do salário mínimo foi fundamental nesse sentido, pela correção da tabela do imposto de renda…. tem que aumentar sua pressão social sobre o governo.

TB – Como se insere o movimento sindical no segundo Governo Lula?
Altamiro Borges – Acho que o movimento sindical aprendeu nos primeiros quatro anos, que a melhor forma de ajudar o Governo Lula é pressionando. Se ele ficar passivo favorece a direita, esses setores retrógrados, os grandes empresários, de vir para cima do governo Lula e impedir as mudanças. A melhor forma do movimento sindical ajudar é pressionando. Não é na posição de espectador – “elegemos agora posso ir pra casa”, mas indo pra rua. Acho que vai melhorar nesse sentido o movimento sindical.

TB – E como fica a luta pelos interesses da categoria?
Altamiro Borges – Cada sindicato representa sua categoria. É evidente que ele tem que se preocupar com as demandas da categoria, por melhores salários, melhorias nas condições de trabalho, trabalho mais humano, demanda por emprego etc. Mas se ele fizer só a luta da categoria, não vai mudar muita coisa. Porque os problemas não atingem esta ou aquela categoria, atingem todas as categorias, na verdade atingem a classe trabalhadora. O movimento sindical, ao mesmo tempo que cuida das demandas da categoria, precisa interferir mais na política. Não pode ter o tratamento só da luta imediata, tem que pensar em lutas maiores. Como a luta pela redução da jornada de trabalho, defendida pelo deputado federal, hoje senador Inácio Arruda, junto com Paulo Paim. Uma medida como essa tem impacto em toda a economia do País. Segundo o Diesse só com a redução da jornada para 40 horas semanais, serão gerados cerca de 3 milhões de novos empregos. Significa mais emprego, aumenta poder de pressão, o trabalhador terá mais tempo pra ler, para passear, pra vir às assembléias do sindicato, pra se reunir. O trabalhador passa a ser um ser humano com dimensão maior.

Se depender das federações dos banqueiros, federação das indústrias e do comércio esse projeto nunca vai ser aprovado. Esse projeto interessa aos metalúrgicos, aos bancários, aos comerciários, aos químicos….interessa a todo trabalhador. Essa luta pela aprovação da redução da jornada de trabalho é um exemplo de luta que deve ter o movimento sindical.

TB – Qual é a nova realidade do mundo do trabalho?
Altamiro Borges – Hoje não temos só trabalhadores na formalidade. Temos também uma vasta massa de semi-proletários, sem carteiras assinada, na informalidade, terceirizados, jogados nos bairros em condições precaríssimas, sem condições de estudo, sem terra, juventude sem perspectiva. Na falta de perspectivas, muitos para sobreviver se lançar no tráfico. Na criminalidade. Acho que o movimento sindical não pode falar hoje só no trabalhador de carteira assinada. Tem que falar pra todos os trabalhos. É o Sindicato para a sociedade, que se junte aos outros movimentos sociais. Hoje a luta dos trabalhadores só ganha força, se junto com os sindicatos estiveram os movimentos do campo, os movimentos estudantis, entidades de moradores, entidades culturais – se consegue juntar todos esses setores sua capacidade de pressionar fica maior. Se o Sindicato fica sozinho sua capacidade de pressão diminui.

TB – Qual o papel do Sindicato na formação política?
Altamiro Borges – O período da década de 90, de devastação do trabalho, de corrosão do trabalho, o movimento sindical passou a não valorizar a formação política e ficou só correndo atrás do prejuízo. Isso gerou que hoje nós temos um sindicalismo que envelheceu muito. Muitas lideranças são da década de 80. Existe pouca liderança jovem porque não houve formação política. Hoje é fundamental priorizar a formação política, de fato, investir em formação política, fazer as pessoas discutirem o todo – as pessoas não ficam só olhando o seu umbigo, mas discutindo a grande política. Isso tem que aumentar. O Sindicato que não investir em formação, os antigos vão se cansar, e os novos não vão vir. Precisamos rejuvenescer, principalmente nas idéias. É preciso investir muito mais em comunicação e em formação, porque a partir daí estaremos investindo em novas lideranças.

TB – Finalmente, qual o papel da comunicação nesse novo momento do movimento sindical?
Altamiro Borges – A imprensa sindical brasileira é muito potente. Se juntasse toda imprensa sindical numa redação única seria a maior redação do Brasil. Os grandes sindicatos investem em comunicação, com jornais periódicos de boa qualidade. No entanto, a imprensa sindical no Brasil é muito fragmentada, cada sindicato cuida da sua comunicação, olha muito pra dentro. É preciso uma ação conjunta dos Sindicatos na imprensa sindical. Se todos quisessem fariam um jornal nacional diário, com muita força. O movimento sindical já deveria ter um veículo nacional, assim como uma televisão e tinha que investir mais na internet. Poucos sindicatos fazem como o Sindicato dos Bancários do Ceará, que investe em comunicação. Aqui vocês têm uma comunicação atuante, com um jornal de boa qualidade, rádio, internet. No Brasil, a imprensa sindical também tem uma boa equipe, muitos veículos de boa qualidade, tem pujança, mas tem que se debruçar mais nessa idéia do veículo nacional.