Nem com uma flor…

100

O ano que passou e que já vai longe no tempo foi pródigo em episódios de violência. Entre estes, a violência contra a mulher teve lugar nada desprezível. Em novembro de 2006, inconformado pelo que chamou de traição da ex-mulher, Cristina Ribeiro, o marido abandonado André Luiz Ribeiro da Silva a manteve sob a mira de um revólver das 8h às 18h20m dentro de um ônibus. Cerca de 50 pessoas foram inicialmente mantidas reféns pelo homem, que ameaçava matá-la e suicidar-se. Felizmente tudo terminou sem mortes, mas com um horrível trauma para a Cristina e para todos os reféns, que sofreram durante horas à mercê das paixões desatadas de André.

Em dezembro, a manicura Aglais Pereira de Oliveira foi morta a facadas pelo marido, inconformado com a separação. Tendo ido queixar-se à polícia, foi oferecido a ela o abrigo municipal para mulheres vítimas de violência. Aglais preferiu dar mais uma chance ao companheiro e perdeu a vida.

Entre os casos de Cristinas e Aglais, Marias e Joanas, ainda no mês de dezembro uma clamorosa injustiça dá testemunho do machismo que reina na avaliação dos números da violência. O jornalista Pimenta Neves, réu confesso do assassinato da namorada Sandra Gomide, foi condenado mas não foi preso.

No Brasil, pesquisa da Fundação Perseu Abramo revela que a cada 15 segundos uma mulher é agredida. Estima-se que mais de dois milhões de mulheres são espancadas a cada ano por maridos ou namorados, atuais e antigos. Por outro lado, os números sobre a incidência da violência contra a mulher no país contrastam com dados de recente pesquisa, que revelam um alto grau de rejeição à violência contra as mulheres. Ao mesmo tempo, o velho ditado que afirma que “em briga de marido e mulher não se mete a colher” ainda tem boa aceitação (66%), reforçando a dupla moral e a cultura machista. Observa-se que há uma atitude mental e interior contrária à violência, mas não há um comportamento equivalente.

Não se defende aqui a impunidade e a negação do delito que deve ser sancionado. Mas, por outro lado, aparece claro que o problema é mais global do que pensamos. Enquanto não construirmos uma sociedade mais justa e pacífica em todas as suas dimensões, infelizmente não conseguiremos convencer os homens de que “em uma mulher não se bate nem com uma flor”.

Maria Clara Bingemer é autora de “A Argila e o espírito”, teóloga e professora da PUC-Rio