O grande adversário

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O Presidente da República em sua primeira declaração depois da re-eleição fez uma afirmação da maior importância no sentido de explicitar o horizonte que deverá marcar seu novo mandato. Referindo-se às disputas acirradas do período da campanha eleitoral afirmou que o maior adversário do Brasil são as injustiças sociais e por esta razão o novo mandato deverá ter três grandes objetivos básicos: crescimento econômico, justiça social e escola de qualidade para todos. Trata-se de uma fórmula sintética para exprimir os objetivos que sintetizam a grande luta de gerações para a construção da Nação. Não foi por acaso que analistas de nossa situação nos lembraram que nas eleições e na vitória do Presidente estava em jogo a vitória da senzala sobre a casa-grande. Apesar de todos os problemas há aqui inegavelmente um símbolo forte de uma vontade de mudança fundamental das bases estruturantes de nossa sociedade. Seu horizonte simbólico retrocede até o projeto colonial escravista que ainda hoje legitima precisamente aos herdeiros dos dominantes do passado o controle da terra, do poder político, dos capitais, da cultura hegemônica. Este país é marcado por uma desigualdade estrutural gigantesca entre uma elite privilegiada e uma enorme massa de gente que é herdeira da senzala hoje amontoada nas favelas, nas periferias urbanas e na zona rural. É esta cisão social que impede o Brasil de ser propriamente uma Nação, ou seja, um povo de cidadãos e cidadãs portadores de direitos e deveres iguais. O Presidente acertou de cheio ao encontrar aqui o inimigo número 1 do Brasil.

Certamente um primeiro debate diz respeito à primazia da valorização financeira como a característica fundamental da estruturação atual de nossa economia e todos os mecanismos que desde o governo anterior foram introduzidos e que terminaram fazendo o sistema econômico um sistema por definição “rentista”, que, por isso, está interessado acima de tudo em juros reais elevados e ativos fixos, sobretudo papéis públicos, porque seus gestores têm de garantir no longo prazo o retorno individual das contribuições. Ora esta transformação foi fortemente louvada pelo mundo da economia mundial e forneceu muita credibilidade ao governo no primeiro mandato porque modernizou nossa economia no sentido de adaptá-la ao capitalismo financeiro hegemônico em nossos dias. Ora o segundo mandato, assim se pode talvez interpretar o resultado das eleições, constitui uma oportunidade dada ao governo para democratizar a sociedade brasileira, operando mudanças fundamentais em suas bases econômicas e no sistema de poder. No entanto, sem a ação constante da sociedade através de seus movimentos no sentido de fiscalizar, controlar e reivindicar nenhum poder será capaz de enfrentar os herdeiros da casa-grande.

Manfredo Araújo de Oliveira
Doutor em Filosofia e professor na UFC