Segurança como Direito Humano

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Com a Constituição de 1988, iniciou-se no Brasil uma nova etapa para as políticas públicas. Foi instalada a possibilidade de construção de um processo democrático de abertura do Estado e participação da sociedade. Essa participação foi pensada como uma das mais poderosas ferramentas para a obtenção de uma gestão pública transparente. Uma das formas de tornar a participação realidade são as conferências. Desde então, já foram realizadas dezenas no Brasil (após 2003 foram quase 50), debatendo os mais variados assuntos, como meio ambiente, direitos humanos (que já está na sua 11ª edição), juventude, entre outras, com a participação de mais de 4 milhões de pessoas.


Embora já tenham sido realizadas muitas conferências, falta discutir de forma ampla e participativa um dos principais problemas da sociedade brasileira, seja nas regiões metropolitanas ou nas cidades do interior: a segurança pública. Parece que finalmente esse erro será corrigido. Vem aí a 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg).


Como conseguir cidades seguras? Existem muitas opiniões de como devemos proceder para termos sociedades seguras, nas quais as pessoas, independente de cor, raça, sexo, condição social, opção sexual, local de moradia etc vivam com segurança. Acho que elas vão se enfrentar na Conseg.


Umas apontam para uma reformulação total da polícia, outras acreditam que nossa sociedade está tão degradada que é a mais pura utopia pensar em uma polícia correta, sendo necessária, antes de tudo, a transformação da sociedade como um todo.


Mas também temos de transformar nossa polícia, ela tem que cuidar das pessoas. A polícia ao invés de ser temida e odiada, ao invés de ser vista como corrupta e assassina por grande parte da população (e infelizmente alguns policiais dão razão a estas acusações), precisa agir para ser respeitada, valorizada e vista como amiga. Difícil? Eu sei, ainda mais quando sabemos que integrantes das forças especiais da polícia se exercitam cantando que sua missão é entrar na favela e deixar corpos no chão. É difícil pois foi mostrado que a cartilha entregue aos recrutas da Polícia Militar está impregnada de preconceito e estereótipos, quando mostra uma pessoa negra como traficante e a pessoa branca como usuária.


Não sabemos se a realização da Conseg e a implementação do Pronasci darão o resultado esperado, pois apresentam algumas limitações importantes. O Pronasci, por exemplo, não fala nada do(a) jovem que não está ou esteve em conflito com a lei. Como fica a juventude que não aderiu ao crime mas não tem nenhuma perspectiva de mudar de vida? O que as comunidades e favelas oferecem para atender estes(as) jovens?


A tarefa é muito árdua, mas podemos ter cidades mais seguras e justas. Para que isso aconteça um passo importante foi dado: convocar cidadãos e cidadãs para o debate. Trabalhando de forma conjunta temos mais chances de transformar a segurança em um direito humano.

Luciano Cerqueira, pesquisador do Ibase