Trabalhar menos para viver mais e melhor

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Trabalhar menos para viver mais e melhor

Estudos comprovam: trabalhar menos de 40 horas por semana reduz os riscos de doenças físicas e mentais, pode gerar empregos, melhorar a produtividade e a qualidade de vida do trabalhador


A relação tempo de trabalho e qualidade de vida é científica e objeto de estudos internacionais. O mais recente, da Agência de Saúde Pública do governo de Barcelona, na Espanha, está na edição de fevereiro na revista Scandinavian Journal of Work, Environment & Health. Durante um ano, pesquisadores acompanharam quase 3.000 pessoas de várias profissões e classes sociais. Observaram que rotinas superiores a 40 horas de trabalho por semana prejudicam o sono e tornam homens e mulheres mais vulneráveis à pressão alta, doenças cardiovasculares, ansiedade e de- pressão, a fumar mais, se alimentar mal. “Os trabalhadores mais vulneráveis são aqueles das empresas de pequeno porte, restaurantes e do comércio”, disse a coordenadora do estudo, Lucia Artazcoz.


No Brasil, embora a jornada máxima estabelecida pela Constituição seja de 44 horas, algumas empresas praticam menos, por acordo coletivo. A analista físico-química Luciana Freitas, no setor de medicamentos da Bayer, na capital paulista, faz 40 horas. Trabalha das 7h às 16h, e ao longo da semana faz curso de pós-graduação, corre num parque e joga tênis na quadra da empresa. Por entender a importância do tempo na rotina, há dois anos investiu numa mudança para mais perto do trabalho e “ganhou” outras quatro horas por dia. “Optei pela saúde e qualidade de vida.”


O operador de máquinas Claudionor Vieira do Nascimento sentiu diferenças quando a empresa de autopeças em que trabalha, a Delga, em Diadema (SP), adotou acordos de redução de jornada sem redução salarial. Primeiro para 42 horas, em 2002, e depois para 40 horas há pouco mais de um ano. “Havia resistência, a empresa reclamava que teria mais custos, perderia competitividade”, lembra o operador, integrante do comitê sindical. Segundo Claudionor, havia menos de 400 empregados em 2001 e hoje são cerca de 800. Ele diz não ter dados que medem níveis de saúde e satisfação nem a contabilidade de empresa, mas garante que as mudanças para melhor são visíveis. “Vejo um ambiente de trabalho melhor, com menos cara feia. A empresa tem praticamente duas vezes mais clientes, conseguiu importantes certificações e os investimentos em maquinário são expressivos. Está na cara que não houve prejuízo. Isso prova que jornada menor não traz prejuízo, ao contrário. Basta haver uma boa gestão, investimento certo no lugar certo.”


EXCEÇÕES E REGRAS – De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), mais comuns em todos os ramos de atividade e em todas as regiões do País são as jornadas de trabalho superiores, inclusive, ao teto de 44 horas – embora se note uma tendência de gradativa redução (leia quadro).


Além disso, especificidades como baixos salários ou políticas de metas exigem excesso de trabalho na maior parte das atividades econômicas, até mesmo de quem já por lei tem jornadas inferiores a 40 horas devido a suas implicações à saúde.


Para muitos bancários, também, a jornada legal de 30 horas semanais é ilusão. Ruth Evangelista está afastada faz mais de dois anos. Empregada num banco privado há mais de 20 anos, em Fortaleza, teve uma lesão por esforço repetitivo em 1997 que afetou todo o membro superior direito. Com medo de ser demitida, trabalhava com dor. Em 2003, depois de dez horas de trabalho, não conseguiu autenticar um documento. A dor cada vez mais insuportável, os remédios, a sensação de incapacidade e de limitação a abateram. Começaram os problemas em casa e surgiram distúrbios emocionais. “O prêmio por trabalhar muitas horas diárias, num ritmo intenso, é uma doença sem cura, que acabou com a qualidade da minha vida e me impedirá de carregar meus netos no colo”, diz.


BATALHA ANTIGA – No começo da Revolução Industrial, os trabalhadores já lutavam pela redução da jornada. Afinal chegavam a trabalhar até 18 horas por dia. Havia mortes e mutilações dos que não resistiam e desmaiavam ou dormiam sobre as máquinas. Ao longo do século 19, as lutas operárias deram os primeiros passos rumo a mudanças. Em 1847, na Inglaterra, e, em 1848, na França, foi conquistada a jornada de dez horas diárias. Em 1886, nos Estados Unidos, em protestos pela redução de 16 para oito horas, em Chicago, seis trabalhadores foram mortos pela repressão e outros cinco condenados à forca no dia 1º de maio – daí a data relembrada em quase todos os países do mundo.


No Brasil, a Constituição de 1988 reduziu a semana de trabalho de 48 para 44 horas. Atualmente, tramita no Congresso o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) nº 393, que prevê redução para 40 horas semanais, passando para 35 horas dois anos depois. O projeto já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e aguarda a apreciação pelo plenário da Câmara. No Japão, desde 1992 a jornada é de 40 horas. A França diminuiu de 39 horas semanais para 35 em janeiro de 2000.


Os empresários resistem por temer que a redução de jornada sem redução da folha de pagamentos possa pressionar os preços e comprometer sua competitividade. Artur Henrique Silva Santos, presidente da CUT, lembra que nem mesmo o Fórum Econômico Mundial de Davos, que reúne representantes de países e os mais influentes empresários do mundo para pensar estratégias para o capitalismo, considera baixos salários bons indicadores da competitividade de uma economia. Além disso, nos últimos 15 anos a produtividade brasileira cresceu 150%. A subtração de quatro horas da semana elevaria os custos da mão-de-obra em menos de 2%. No atual ritmo de ganhos de produtividade, essa diferença seria compensada em apenas seis meses. E proporcionaria relações de trabalho muito mais saudáveis e produtivas. (texto extraído da Revista do Brasil)

AÇÃO E REAÇÃO

MAUS HÁBITOS ALIMENTARES
Em 2006 pesquisadores da Universidade de Leeds, no Reino Unido, concluíram que longas jornadas alteram a dieta de homens e mulheres, facilitando a chegada de doenças cardiovasculares e câncer. Aborrecimentos como estresse causado por pequenas discussões com colegas, reuniões ou perda de prazo podem empurrar para uma má alimentação, para o consumo de álcool, fumo e outras drogas.

ACIDENTES DE TRABALHO
Na Universidade de Yale, EUA, cientistas descobriram que o risco de acidente entre os manufatureiros é 88% maior para os que trabalham mais de 64 horas quando comparados aos que trabalham 40 ou menos.


PRESSÃO ALTA

Estudo da Universidade da Califórnia, EUA, com mais de 24 mil trabalhadores revelou que os que trabalham entre 41 e 50 horas têm 17% a mais de risco de ter pressão alta. Entre os que trabalham mais 50 horas, a taxa é de 29%. Já aqueles com jornadas inferiores a 40 horas, é de 14% a mais.

FALTA DE TEMPO PARA A FAMÍLIA

As jornadas extensas são comuns também entre executivos e trabalhadores que ocupam altos cargos. Para não perderem dinheiro ou credibilidade perdem saúde, quando não a vida. Cláudio Dedecca, professor da Unicamp, conta que recentemente três engenheiros das áreas de desenvolvimento da montadora Renault, na França, se suicidaram dentro da fábrica.

DOENÇAS CARDIOVASCULARES

Em 2004, a Faculdade de Medicina Mount Sinai, EUA, mostrou estudos que associam o ataque cardíaco a extensas jornadas. Quem trabalha até 40 horas semanais corre duas vezes menos risco de infarto.

DISTÚRBIOS DO SONO

Em 2004, pesquisadores da Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, entrevistaram trabalhadores de hotéis de luxo. Concluíram que os sem vínculo empregatício – que chegam a trabalhar mais de 44 horas semanais – têm mais problemas para dormir, se alimentam mal e enfrentam conflitos familiares.

Fonte: Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos.


http://www.ncbi.nlm.nih.gov/PubMed/