Tráfico de pessoas e trabalho escravo é proposta de Campanha da Fraternidade 2014

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No momento em que fortalecemos nosso apelo para que a Campanha da Fratenidade/2014 tenha como tema o Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e ao Trabalho Escravo, desejamos retomar a reflexão de Pe. Libânio, que vai além da análise e reações do senso ético, trazendo à reflexão o olhar teológico. Conforme relatórios internacionais, o Brasil é um dos países com grande presença de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual e laboral.


Há numerosas rotas de tráfico interno que se entrelaçam com rotas de tráfico internacional. Na exploração das vítimas, a mobilidade geográfica promovida pelos traficantes, assume um papel fundamental, pois visa justamente afastar a pessoa de suas redes familiares e sociais e isolá-la ou afastá-la de alternativas de defesa. Combate esta situação é o desafio para a sociedade, os governos e a comunidade internacional. A Igreja é chamada a levantar sua voz profética contra esta abominável exploração e degradação do ser humano que é tornado “mercadoria” para fins de comércio.


Em novembro de 2010, Pe. J. B. Libânio, apresentou três razões para fundamentar, na dimensão teológica, o combate ao tráfico de pessoas. “Se o tráfico de pessoas horroriza o nosso senso ético, com muito mais razão o olhar teológico. A ética grita contra o tráfico por causa do desrespeito à pessoa. Trata-se a pessoa como mercadoria que se vende e se compra. Toda coisificação do ser humano degrada-o.


O nosso ser só está a existir pela força criativa do Ser divino. Em outras palavras, o mais íntimo de nosso ser é Deus presente criando. Tudo pode faltar-nos, menos esse ato contínuo criativo de Deus. Vejam o horror do tráfico de pessoas: comercializamos o próprio Ser divino presente criativamente em cada pessoa.


Avancemos mais. Além de criar, Deus nos chamou a vida íntima de relação de amor com ele. Esse chamado, sendo de Deus, não soa como palavra fora de nós. Constitui-nos. Então somos mais que criatura sustentada pelo ato criativo de Deus. Somos relação de amor para Deus trino, marcando o nosso ser antes mesmo de respondermos livremente a este amor. O chamado independe da resposta. Cinzela o ser de todos. Como se não bastasse tanta dignidade para o ser humano, o Filho eterno de Deus Pai quis assumir a realidade humana, introduzindo-a no próprio seio da Trindade e da Eternidade. O ser humano, pela Encarnação, já não pertence só a si mesmo. Faz parte do mundo divino de maneira única, pela comunhão na humanidade do Filho.


Deus nos confere tal dignidade anterior a qualquer contrapartida de nossa parte. Puro dom. Toca-nos simplesmente reconhecê-la, acolhê-la em imensa gratidão e responder a ela com a consciência da nossa própria dignidade e do respeito da mesma em todos os seres humanos. Eis porque o tráfico de pessoas violenta e fere o mistério sublime do projeto do Deus que cria, que santifica e que se encarna”.

Ir. Rosita Milesi – Diretora do Instituto Migrações e Direitos Humanos e membro do Setor Mobilidade Humana da CNBB