Velho e a Velha Olivetti Linea 98

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De repente me sinto velho precocemente sem ter me dado conta de que sou novo ainda. Divulgaram-se as regras do plano de Ações Estruturantes. Sinto-me desestruturado e ao mesmo tempo constrangido ao ver meus companheiros de trabalho elegante e inocentemente pedirem afastamento do trabalho.


O Banco, sorrateiramente, deixa claro que não quer o servidor qüiquagenário no seu quadro. É como se ele fosse um velho pangaré que carrega nos seus cascos as fissuras de uma longa e árdua jornada de serviço prestado ao seu dono e depois é abandonado à sua própria sorte.


Mas como aceitar suavemente essa situação? É o que vejo no semblante de alguns companheiros. Eles não perceberam ainda que não são eles que estão se livrando do Banco, mas sim o Banco deles.


É uma sensação ruim saber que não se é mais útil. Imagine você chegando à sua casa e sua mulher ou seu homem lhe dizendo que você não dá mais nada. Está com o fogo baixo. Imagine seu filho lhe dizendo, “papai/mamãe não quero sua companhia na caminhada matinal porque o Sr(a) tá sem gás pra me acompanhar”. Imagine tudo isso em seus plenos 50 anos. É amigo, a visita à cidade subterrânea está próxima.


Fala-se em valor agregado, ganho em escala, sinergia, ufa! E o nosso passado, a nossa fala e a nossa energia? De repente esqueceram da nossa experiência e da nossa mais valia. O eufemismo tomou conta do nosso ambiente. Dizem-nos que somos melhores lá fora pois teremos mais oportunidades e novos horizontes a desfrutar. A verdade é que somos obsoletos e anacrônicos. Isto dito com um romantismo vasilinístico.


Há as exceções. Alguém esqueceu num cantinho lá no Suporte uma velha máquina de escrever Olivetti LINEA 98. Talvez para socorrê-lo naquilo que o computador não resolve. Pois não é que acontece. Tem sempre alguém preenchendo um cheque, uma papeleta de expurgo de documento ou outra coisa qualquer. Faça a empatia com a Olivetti e sinta que você, apesar de descartável, pode ser útil àquilo que o avanço tecnológico não conseguiu suprir. Sua experiência, sua malícia sua solicitude, sua sensibilidade etc, são qualidades inalienáveis. Parafraseando Arnaldo Antunes e Nando Reis, “para lavar a roupa: Omo; para parecer mais nova: Avon”. Então, para uma difícil situação: um veterano experiente.


O que se assiste no Banco hoje é uma cena de plataforma de estação. Como já dizia o poeta Fernando Brant, “tem gente que chega pra ficar. Tem gente que vai pra nunca mais. Tem gente a sorrir e a chorar”.


Enfim, aqui vai o meu apelo para que você não se esqueça de ser feliz. Ame, goze, veja o pôr do sol. Dizem que a vida começa aos 50. Então, nessa infância envelhecida, tem-se a chance de ser a criança que você não foi, o rebelde, o incauto e o sapeca que você sempre quis ser.


Portanto, pra você que parte, um breve adeus e para os que ficam, uma enorme saudade.

José Maria Gomes Fernandes

BB Praça do Carmo-CE