Violência Doméstica: Decreto das armas pode dificultar denúncias de agressões contra mulheres

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O alerta é do Instituto Maria da Penha. Dados do Ministério da Saúde indicam que mortes de mulheres a tiros, dentro de suas casas, são quase o triplo das registradas para homens.

A própria Maria da Penha ficou paraplégica em 1983 depois de levar um tiro de espingarda que atingiu sua coluna. Seria o penúltimo episódio de uma série extensa de agressões por parte do marido e pai de suas três filhas. Ela foi vítima, ainda, de uma tentativa de eletrocução durante o banho. E poderia ter se tornado um número, uma estatística, das mortes decorrentes de violência doméstica.

Maria da Penha, no entanto, sobreviveu e virou um símbolo. Mais que isso, sua história e sua luta resultaram em uma das mais avançadas legislações do mundo de combate à violência contra a mulher. Agora, ela vê com “muita preocupação” o decreto do presidente Jair Bolsonaro, que libera a posse de armas (até quatro por endereço) nas residências brasileiras.

Números assustam – Levantamento do jornal O Estado de S. Paulo, com base em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde (no portal Datasus), aponta que é quase três vezes maior o número de mulheres mortas a tiros, dentro de casa, em comparação ao sexo masculino. Dos 46.881 homens vitimados por armas de fogo em 2017, último dado disponível no sistema, 10,6% morreram dentro de casa. No caso delas, foram 2.796 mortes e 25% em seus domicílios. “Sabemos que a maioria dos assassinatos de mulheres ocorre dentro de casa”, confirma Conceição de Maria, superintendente-geral do Instituto Maria da Penha, que ajudou a fundar em 2009. “Com o homem agressor em posse de uma arma, a ameaça pode ser mais grave e se tornar um feminicídio”, alerta.

Uma pesquisa realizada em parceria com a Universidade Federal do Ceará, entre 2016 e 2017, com 10 mil mulheres nas nove capitais da região Nordeste, dá conta de que três em cada 10 já passaram por pelo menos uma situação de violência doméstica na vida.

O deputado federal Jean Willys (Psol-RJ) lembra que do total de 2.339 mulheres mortas por arma de fogo no Brasil, em 2016, 560 foram assassinadas dentro de casa; 85% dos casos por maridos ou ex-maridos. “Agora, graças a Bolsonaro, vai ter mais armas de fogo dentro de casa”, lamenta.

Medo de denunciar pode ser maior – O Instituto Maria da Penha não atende diretamente as mulheres em risco, mas trabalha com projetos pedagógicos educacionais com o objetivo de prevenção da violência doméstica, capacitação em áreas de vulnerabilidade social, nas universidades, nas escolas. “A liberação da posse deve atrapalhar esse trabalho e dificultar a mulher a romper com o ciclo da violência”, lamenta Conceição. “Ela vai se sentir mais fragilizada, com receio de retaliação do parceiro. Sabendo que existe uma arma de fogo pensará mais como será a estratégia, vai ter mais medo”. Para Conceição, muitas ainda não entendem que vivem violência doméstica e que isso é passível de punição pela Lei Maria da Penha. “A arma vai, cada vez mais, atemorizar a mulher”, conclui.

E se ele estivesse armado?

Tão logo foi anunciado o decreto de Bolsonaro, as redes sociais foram tomadas por relatos de medo, lembranças trágicas e situações que poderiam ter acabado em morte caso o agressor portasse uma arma de fogo.

A hashtag #SeEleEstivesseArmado manteve-se entre os assuntos mais comentados, como parte de uma campanha contra a medida. “Meu pai era alcoólatra e ficava agressivo, eu cresci e não ficava mais quieta, batia de frente, respondia os insultos dele. Um dia ele foi pra cima de mim com um facão, no outro ele me enforcou. Se meu pai bêbado tivesse uma arma, eu não estaria mais aqui”, conta uma internauta.

“Quando falei para um ex-namorado que não queria mais porque meu lance era meninas ele enlouqueceu. Me perseguiu, me agrediu num bar, me jogou de uma escada me ameaçando de morte (B.O. registrado e tudo). #SeEleEstivesseArmado eu não estaria aqui tweetando essa história”, publicou outra.

“Cresci em um ambiente violento, vendo meu pai, um típico cidadão de bem, agredir minha mãe. Quando se separaram, as agressões foram direcionadas a mim. Um dia, ele disse que acabaria comigo e minhas irmãs se eu ousasse denunciá-lo. #SeEleEstivesseArmado, eu não estaria aqui hoje”.

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